‘O coronavírus está em circulação e continua a adoecer e matar os vulneráveis’, alerta imunologista

Por Amelia sperb

À frente de estudos e testagem da Covid-19 desde os primeiros momentos da pandemia, o imunologista Orlando Ferreira, um dos coordenadores do Laboratório de Virologia Molecular da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), afirma que ainda há muito o que aprender sobre o coronavírus Sars-CoV-2. Porém, existem evidências de que, caso o vírus não se modifique demais, três doses da vacina serão suficientes para a maior parte da população. Mais importante do que tomar a bivalente, diz ele, é garantir ter, ao menos, três doses aplicadas.

Vacinas

“Todas as vacinas contra a Covid-19 são boas. Mas o que as pessoas precisam ter em mente, e muita gente até agora não tem, é que elas protegem contra a doença grave e a morte. Não evitam a infecção leve, mas são essenciais. Todos precisam de ao menos três doses.”

Doses
“A Covid-19 é uma doença nova. Por quanto tempo as três doses irão oferecer proteção é outra questão.”

Diferentes grupo

“Podemos dividir a população em três grupos. O primeiro é o das pessoas até 60 anos, sem comorbidades. Para elas, há evidência de que três doses serão suficientes, se o vírus não mudar substancialmente, e até o momento ele não fez isso. O segundo é das pessoas com comorbidades, imunossuprimidos e idosos acima dos 65 anos. Esses são vulneráveis e precisam de doses de reforço. O terceiro grupo é o das crianças. Elas não têm proteção natural alguma e precisam ser vacinadas com pelo menos três doses.

Proteção

“Depois da segunda dose com uma vacina de mRNA, caso da Pfizer, a proteção é de 70%. Com a terceira, de 95%. AstraZeneca e CoronaVac também oferecem boa proteção. Tudo caminha para o consenso de que três doses são suficientes para a maioria das pessoas por pelo menos um ano.”

Bivalente

“É uma opção. Mas quem tomou três, quatro doses das demais vacinas e não faz parte do grupo mais vulnerável está protegido da doença grave e morte. E isso acontece porque nossos linfócitos T (células de defesa) reagem a 15 pedaços (peptídeos) da proteína S do Sars-CoV-2. A maioria deles, mesmo na Ômicron e seus filhotes, não sofreu mutações. Mesmo que os linfócitos deixem de reagir a três ou quatro peptídeos, continuarão a ter ação protetora.”

Imunidade

“Temos que lembrar que a Covid-19 é uma doença nova. É impossível saber com precisão quanto tempo dura a imunidade, tanto a oferecida pelas vacinas contra a adquirida pelos que sobrevivem à infecção. Porém, estudos com o Sars-CoV-1 (que provocou epidemia entre 2002-2004) sugerem que é duradoura. E não é pela presença de anticorpos e sim pela memória imunológica dos linfócitos T e linfócitos B (os que dão origem aos anticorpos).”

Memória imune

“O sistema imunológico organiza nossas defesas de mais de uma maneira. A mais conhecida é por anticorpos. Os primeiros anticorpos a aparecer, após a infecção, são produzidos por linfócitos B de vida curta, algo entre 90 a 180 dias, e são de baixa especificidade. Nesse período são produzidos dois tipos de linfócitos B, um chamado plasmócito, de vida longa e produtor de grande quantidade de anticorpos de alta especificidade que, paulatinamente, substituem os anticorpos formados antes. O outro tipo de linfócito B é composto por células de memória e não produz anticorpos. Estes funcionam como uma reserva estratégica em caso de nova infecção pelo Sars-CoV-2. Essa é a memória imunológica. Há casos de sobreviventes da pandemia da gripe espanhola (1918-1919) que guardam essa memória imunológica. Então, o fato de uma pessoa não ter mais anticorpos contra o Sars-CoV-2 não significa que esteja desprotegida. Pois, se entrar em contato com o vírus de novo, seu sistema imunológico está preparado para produzir anticorpos e atacar o coronavírus de forma mais rápida.”

Reforço

“Estamos construindo um consenso. Mas temos visto que a maioria das pessoas preserva defesas por um período próximo ou de um ano após a vacinação. Esse parece ser um prazo razoável, a não ser que surja uma variante muito diferente, o que não é o caso da Ômicron e suas derivações. Para evitar problemas com um tipo realmente diferente, é preciso manter a vigilância.”

Doses anuais

“Para a gripe sabemos que precisamos de vacinas novas todos os anos que o vírus influenza muda substancialmente. O Sars-CoV-2 até o momento não apresentou uma mudança suficiente para escapar das vacinas em uso. Mas, claro, não podemos de forma alguma relaxar na vigilância. O coronavírus está em circulação e continua a adoecer e matar os vulneráveis que encontra. Até que haja novos estudos, um ano parece ser um tempo razoável para tomar um reforço.”

Dificuldade

“O coronavírus Sars-CoV-2 assim, como outros vírus de transmissão respiratória, como o influenza e o sincicial respiratório, entram em nosso organismo pela cavidade nasal que recoberta por uma mucosa, um tipo de pele interna. O vírus começa a se replicar nas células epiteliais das mucosas, permitindo que estabeleça uma infecção. Quando o organismo reage, ele já causou algum transtorno, como sintomas leves e pode ter sido transmitido para outras pessoas.”

Infectados
“Provavelmente, a maioria das pessoas que foi infectada pelo Sars-CoV-2 não faz a menor ideia disso ou apenas desconfia. Muitos são assintomáticos e outros tiveram sintomas tão leves, que pensaram ser um resfriado. Isso tem dois desdobramentos. O primeiro é que os assintomáticos podem transmitir o vírus e contribuir para mantê-lo em circulação. Se o vírus encontra uma pessoa não vacinada ou muito vulnerável, como os imunossuprimidos, ela pode adoecer. No entanto, as pessoas infectadas produzem defesas e, quando vacinadas, adquirem uma imunidade maior.”

Imunidade híbrida

“Ela acontece quando uma pessoa é vacinada e também teve Covid-19 ou vice-versa. Essa imunidade é mais poderosa porque combina defesas de células de memória herdadas do combate à própria infecção. A imunidade híbrida resulta numa proteção mais robusta, por isso mesmo após uma infecção é necessário também estar vacinado.”

Infecção passada

“A única forma de uma pessoa já vacinada saber se foi infectada em algum momento é por meio do teste de anticorpo contra a proteína N (nucleoproteína) do vírus. As vacinas, à exceção da CoronaVac, são feitas com a proteína S. Se a pessoa tem anticorpo contra a N, é porque já foi um dia infectada pelo coronavírus. Os anticorpos contra a N nos indivíduos vacinados com a CoronaVac tendem a desaparecer de 120 a 150 dias. Após esse período, anticorpos anti-N podem significar uma infecção.”

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