A PF não pode arrefecer no combate à corrupção sistêmica

Por Amelia sperb

A Polícia Federal vem, nos últimos meses, deflagrando inúmeras operações repressivas que alvejam o tráfico de drogas internacional e as facções criminosas, isto é, o crime organizado tradicional.

E isso é louvável, até porque a PF, nessas ações, tem centrado suas baterias nas estruturas financeiras dessas ORCRIMs, no dinheiro, nas fortunas e nos bens de luxo amealhados, aplicando uma moderna e atualizada abordagem capitalista da repressão ao tráfico de entorpecentes, como já preconizava, nos idos dos anos 90, o visionário delegado federal Getúlio Bezerra, primeiro diretor de Combate ao Crime Organizado da Polícia Federal.

Contudo, como bem colocou o ministro Luís Roberto Barroso, em voto proferido em sessão plenária do STF – ocorrida em 2019 – o Brasil vive uma epidemia de criminalidade, que atinge a delinquência de rua (assalto a mão armada, estelionato), passando pelo crime organizado (tráfico de drogas & armas) chegando ao crime institucionalizado, que engolfa a corrupção sistêmica e envolve a alta oficialidade (governo , parlamentares e tribunais), enfim, agentes públicos com foro privilegiado e poder de sobra para cometer fraudes e desvios de milhões, dentro das entranhas do Estado.

Se imaginarmos a criminalidade como um edifício, um prédio de apartamentos de 10 andares, diríamos que os delitos de rua seriam o térreo e os primeiros pavimentos, enquanto o crime organizado se localizaria da metade até o oitavo ou nono piso, ao tempo em que a delinquência institucionalizada ficaria no décimo andar e na cobertura, nos pontos mais altos e inexpugnáveis da criminalidade.

Essa gradação pontua não apenas as dificuldades enfrentadas pelo aparato repressivo do Estado – polícia e ministério público – mas também a capacidade de erosão e contaminação (os prejuízos) causados à sociedade.

E a Polícia Federal, com o Ministério Público Federal, vêm, desde 2014, quebrando paradigmas, e finalmente conseguindo atingir – como nunca antes ocorrera – os últimos andares do edifício da criminalidade, com operações repressivas históricas e paradigmáticas como Lava Jato, Zelotes, Greenfield, Calicute, Pathmos e muitas outras…

Voltar às prioridades dos anos 90 e focar apenas o combate ao crime organizado seria hoje como reinaugurar um “museu de grandes novidades” aos olhos de uma sociedade que já se acostumou com operações como a Lava Jato, e que igualmente encontra-se consciente acerca da existência dos andares de cima da delinquência, onde se encastelam o crime institucionalizado e os melhores defensores do atraso que esse flagelo representa para o país.

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Outro problema é que, para iniciar um enfrentamento efetivo à essa epidemia de criminalidade, o poder público necessariamente deve priorizar os ataques à corrupção sistêmica e à delinquência política, que mina e compromete as resistências e a capacidade do Estado no enfrentamento aos outros extratos do crime. Não há como avançar contra os delitos de rua e o tráfico de drogas das facções sem sanear os desvios e fraudes ocorridos no estamento público. A faxina e a transformação há de ser iniciada de cima para baixo, isto é, da penthouse em direção ao andar térreo.

A solução para seguirmos adiante é o fortalecimento de unidades como o antigo Grupo de Inquéritos Especiais – GINQ, que, estruturado na PF ainda pela gestão de Leandro Daiello, funcionou muito bem nos tribunais superiores durante esses últimos três anos, e consolidou o profissionalismo da nossa atuação perante diversos ministros desses tribunais.

À Polícia Federal caberia, sem demora, aperfeiçoar e consolidar a missão de um grupo de delegados, peritos e agentes motivados e qualificados tecnicamente, para funcionar tão somente em investigações de autoridades com foro privilegiado, com o Supremo Tribunal Federal – STF e Superior Tribunal de Justiça – STJ.

A unidade seria incentivada a operar com autonomia, traçando, com proatividade e arrojo investigativo, estratégias para condução dos seus inquéritos, e não apenas atuando por demanda e provocação. Seria, grosso modo, o emprego, em Brasília, do modelo bem sucedido de Curitiba.

Essa plataforma investigativa fortaleceria institucionalmente a Polícia Federal, e a consolidaria – ainda mais – como polícia judiciária dos tribunais superiores.

A Polícia Federal – órgão do Estado brasileiro – por conta de uma bazófia do presidente, que é o inquilino da vez do Planalto, não pode e não deve, em hipótese alguma, se inibir ou retrair suas iniciativas, sob pena de frustrar a sociedade, colocando a perder, além da reputação, o trabalho corajoso e transformador, desenvolvido pela própria instituição nesses últimos anos.

Presidentes vêm e vão; a PF, com seus delegados e agentes, permanece. E um mandato de quatro anos passa voando. O que não passa é a memória da corporação, acerca da atuação de seus dirigentes.

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