Mobilidade Social, um retrato das últimas décadas

Amelia sperb Por Amelia sperb 6 Min Read

Dados econômicos agregados mostram a gravidade da deterioração de indicadores clássicos de desenvolvimento econômico e de desigualdade social na última década. Sentimos a crise econômica em nossas vidas diárias, alguns mais diretamente, outros menos. Contudo, não temos dados que materializem a gravidade da situação na perspectiva do cidadão e cidadã brasileira. Primeiro, porque é difícil mensurar a percepção sobre a crise com dados de opinião pública. Segundo, porque não há dados comparativos cobrindo longos períodos.

Apresentamos aqui, pela primeira vez, uma comparação entre percepções de mobilidade social medida em pesquisas de opinião pública em 2010, 2018 e 2020 que deixam claro como a população sofreu fortemente o impacto das nossas fragilidades na economia e na política. Os dados são do Estudo Eleitoral Brasileiro (ESEB) de 2010 e 2018 e da pesquisa a Cara da Democracia de 2020. Os resultados mostram um país que sofre forte revés em seu cenário otimista da primeira década do século XXI para um de estagnação e frustração na segunda década.

Mobilidade social é medida em pesquisas de opinião pública por dois conjuntos de perguntas: primeiro indaga-se em qual classe social – alta, média alta, média, média baixa e baixa – a pessoa sente que pertence. Em seguida, se questiona em qual classe social a pessoa sentia-se parte no passado. Se há diferença entre esses dois momentos, podemos falar de mobilidade social. Se a percepção é de mudança para cima – média baixa para média, por exemplo – então chamamos isso de mobilidade social ascendente. Se é para baixo – média baixa para baixa – falamos de mobilidade descendente. Se não há diferença, então constatamos estagnação. No ESEB de 2010, foi usado o período de 8 anos, para cobrir os mandatos sucessivos de Lula da Silva. Isso foi mantido no ESEB de 2018 e no survey de 2020. Assim, temos medidas de mobilidade social intra-generacional – referente a mudanças na mesma geração – que cobrem as duas primeiras décadas dos anos 2000.

Em 2010, em artigo com Vitor Peixoto, encontramos um forte efeito da mobilidade social ascendente no voto em Dilma Rousseff. Identificamos que 54% do eleitorado alegava ter sentido uma melhora em sua situação de classe. Apenas 7% indicava ter tido uma mobilidade social descendente. Esse fator, mais do que qualquer outro, ajudou o PT a se manter no poder, após uma fase de excepcionais resultados econômicos no país e altíssima popularidade de Lula no final de seu segundo mandato. O Brasil decolava.

Em 2018, segundo Osvaldo Amaral, Jair Bolsonaro se beneficiou de um sentimento oposto: uma sensação de queda na classe social – mobilidade social descendente. Se comparado com 2010, a situação havia se alterado dramaticamente. 17% sentiam que haviam melhorado de classe e 9% que haviam piorado. A maioria, portanto, experimentava estagnação. A frustração econômica e de status é fundamental para entendermos a ascensão de políticos outsiders com retóricas antissistema, típicas de populistas. O Brasil afundava.

Em 2020, dados mostram cenário ainda pior. Inverteu-se por completo o cenário anterior no que tange os que sentiam mobilidade: 18% afirmam ter sentido nos últimos 8 anos mobilidade social descendente e apenas 9% ascendente. A maioria, portanto, seguia estável, mas o quantitativo que experimentou mobilidade descendente duplicou e os que sentiam mobilidade ascendente caiu pela metade. Ou seja, nessa medida de longo prazo, encontramos uma completa reversão nas percepções de mobilidade social. Pioramos e muito.

Em 2020, dada a pandemia, também perguntamos se houve uma percepção de mudança de classe desde o início da crise de saúde. A pesquisa foi realizada em começo de junho, portanto perguntamos nos últimos três meses. Mesmo nesse período tão curto, 8% disseram ter piorado e 4% melhorado. Ou seja, a pandemia acentuou o cenário de estagnação e frustração, mas também indicou que para um grupo de pessoas, houve melhora. Com Leonardo Avritzer e Priscila Carvalho, analisando esses dados, encontramos que essa mobilidade social ascendente de curto prazo tem forte impacto na avaliação positiva do governo Bolsonaro.

Esse breve esboço mostra como a população vivenciou nossas sucessivas crises, resultando em estagnação e frustração, beneficiando discursos críticos aos governos à frente do país no período e abrindo espaço para outsiders na política nacional. Mostra também como a retomada de uma sensação de melhora de status, mesmo no curto prazo, é importante para a sobrevivência política daqueles no poder.

* Lucio Rennó é doutor em ciência política pela Universidade de Pittsburg e professor da Universidade de Brasília (UnB)

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