O banco central americano se rende às moedas digitais

Por Amelia sperb

Quando o criptógrafo de pseudônimo Satoshi Nakamoto criou o Bitcoin, em 2008, certamente vislumbrou o potencial gigantesco do sistema eletrônico de dinheiro ponto a ponto. Mais de dez anos depois, este criptoativo não só possui um volume de mercado em torno de 212 bilhões de dólares, como também inspirou a criação de outras criptomoedas que têm como principal característica o fato de serem facilmente transacionadas, sem a necessidade de um intermediário e, consequentemente, taxas. O sistema de pagamentos vive uma revolução digital, tão grande que chegou ao Federal Reserve Bank, o banco central dos Estados Unidos. Nessa segunda-feira, 19, o presidente do Fed, Jerome Powell, afirmou que a instituição está estudando os custos e os benefícios de um dólar digital para a economia americana. De acordo com ele, o trabalho é longo e demanda “ampla” consulta às partes envolvidas no processo. “É mais importante para os Estados Unidos acertar do que ser o primeiro”, disse ele em um evento da reunião anual do Fundo Monetário Internacional. Além disso, Powell disse que não tomou “a decisão de emitir um CBDC [Central Bank Digital Currency, Banco Central de Moeda Digital, em tradução livre]”.

Apesar de estar em fase gestacional, o fato de o dólar digital estar sendo considerado pelo Fed e pelos bancos americanos é um passo e tanto. As criptomoedas já são amplamente utilizadas por pessoas e empresas privadas, mas à margem da regulamentação das autoridades. Se criado, o dólar digital funcionaria como uma stable coin, moeda cuja volatilidade é reduzida, e pode abrir portas para as demais moedas que já existem e são bastante utilizadas em transações. Elas circulam pelo mundo todo, como é o caso do Tether (USDT), do Gemini Dollar (GUSD), criado pelos irmãos Winklevoss, e das brasileiras BRZ e real virtual. Há também a Libra, a moeda digital criada pelo Facebook que não decolou por problemas na regulamentação. “Esses projetos trazem para o mundo digital a mesma possibilidade do mundo em papel, em que se pode pagar sem burocracias e identificação”, diz Rodrigo Borges, advogado especialista em negócios digitais

É justamente por causa dessa ampla utilização pelas empresas e pelo grande interesse das pessoas pelas novas moedas que os bancos centrais passaram a estudar a sua viabilidade. “O Fed está preocupado que todo mundo passe a utilizar a Libra e o sistema privado detenha mais informações sobre as pessoas que o próprio Estado, o que pode gerar um problema de privacidade”, diz Alejandro Ortiz, economista da Guide Investimentos. “Além disso, o dólar digital tornaria mais eficientes os mecanismos de transmissão da política monetária dos bancos centrais”, diz ele. Ao ter uma moeda de fácil acesso, as transações acontecem mais rápido, fazendo com que o corte de juros e os balanços dos bancos centrais se transmitam mais rápido para a economia real.

A China já está na frente nessa corrida. Facilitado pelo sistema político chinês, o sistema de pagamentos já funciona de forma avançada, por meio de empresas como Tencent e Ant Group. Agora o Banco Popular da China (PBOC) está testando uma moeda digital e, de acordo com informações oficiais, ela já foi usada em 3,13 milhões de transações, no valor de 11 bilhão de yuans (162 milhões de dólares). O Yuan digital está sendo testado em cidades como Pequim, Hong Kong e Macau. Essa transformação no sistema de pagamentos vem ao encontro dos avanços tecnológicos mais amplos que estão ocorrendo nos sistemas bancários de todo o mundo. As fintechs transformaram os sistemas bancários e os primeiros passos da próxima revolução já estão sendo dados.

Continua após a publicidade

Compartilhe esse Artigo